Cia. Casa de Marias
Espetáculo Teatral
"Nina tem Tudo"
em processo
PROPOSTA DA ENCENAÇÃO EM CURSO
Já nos primeiros materiais cênicos levantados na pesquisa deste projeto, a narrativa épica foi se revelando como o caminho em maior consonância com as necessidades éticas e estéticas do grupo. Desde a presença do intérprete narrador nas primeiras improvisações, passando pela música como comentário da ação, a descontinuidade espaço-temporal entre as células cênicas, a revelação das estruturas teatrais nos experimentos de encenação etc - recursos esses postos a serviço de uma comunicação direta entre intérpretes e público, as escolhas formais já presentes nessas primeiras experiências de investigação sobre o tema indicaram alguns traços estruturantes - sobretudo espaciais e dramatúrgicos, que potencializaram desdobramentos no desejo que moveu as engrenagens iniciais deste trabalho: re-visitar/re-conhecer a memória familiar e, através desta ação, estabelecer um campo de reflexão poética sobre alguns aspectos da realidade social brasileira, principalmente aqueles relacionados à condição da mulher dentro de uma cenário histórico regido pelo machismo.
O atual momento é o da verticalização dos caminhos encontrados nas primeiras investigações. Nesse sentido, o espaço cênico se divide em limiares entre as localizações espaciais da fábula: o depósito da loja de quinquilharias, a casa de origem e a estrada entre a casa de origem e a cidade. Adotamos aqui o conceito de limiar no sentido de pórtico ou, mais propriamente, de ádito, como o acesso através do qual se chega a algum lugar, lugar esse que contém em si um arcano, um segredo. Se por um lado, cada uma dessas fronteiras é cruzada uma primeira vez no caminho de ida da casa de origem em direção à cidade, cada uma delas será novamente cruzada no sentido oposto, quando a personagem Maria das Dores der início à sua busca pessoal, o que se dará em um refazer o caminho trilhado dando a ele um novo sentido, em um gesto de empoderamento da própria história, de sua própria vida, espaço este central na rede que configura a geografia do sagrado.
Esse território afetivo, estruturado em soleiras de duplo sentido, é o campo de jogo das intérpretes, que constroem e reconfiguram o espaço cênico expondo a fabricação da narrativa fabular em sua natureza lúdica, solicitando a cumplicidade do público como co-autor dos sentidos e significados possíveis de serem produzidos pelo olhar sensibilizado. Os objetos transitam pelo espaço, e nesse trânsito inauguram campos de acepção diversos, fertilizando a possibilidade de percepções poéticas, como ocorre com a personagem Maria das Dores quando refaz seu caminho rumo à casa de origem.